Ainda como introdução, recordamos que o Metro do Porto está subconcessionado à Prometro do Grupo Barraqueiro, sendo a Metro do Porto uma empresa pública, que recebe as receitas de bilheteira, paga à subconcessionária privada e paga todo o investimento. Os mesmos moldes que querem extender para os STCP, a Carris e o ML.
1. Um modelo errado, de PPP, que implicou os maiores prejuízos de todas as empresas públicas de transporte
A Metro do Porto regista em 2014 um resultado líquido negativo de 400,6 Milhões de euros, fruto de dois desastres completos: 85,1 milhões de euros de resultados operacionais negativos e 315,5 milhões de euros de resultados financeiros negativos.
Vejam o gráfico anexo (RC2014MP p.9) e repare-se como este «modelo» implicou sempre resultados operacionais negativos, além de crescentes encargos financeiros para o Estado.
(Milhões de €)
2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | Total | |
Resultados Operacionais | -46,2 | -81,4 | -85,4 | -83 | -78,1 | -84,7 | -98,1 | -78,5 | -85,4 | -85,1 | -805,9 |
Resultados Financeiros | -25,7 | -41,5 | -60,7 | -66,2 | -216 | -267,8 | -299 | -412,8 | 37,8 | -315,5 | -1667,4 |
Resultados Líquidos | -71,9 | -122,9 | -146,1 | -149,2 | -294,1 | -352,5 | -397,1 | -491,3 | -47,6 | -400,6 | -2473,3 |
(quem, olhando para estes números se pergunte porque os resultados financeiros de 2013 passaram a positivos, vejam depois a nota sobre as swaps, mas adiantamos que tal custou 450 milhões ao Estado de um empréstimo do DGTF para pagar swaps)
Isto é o que o Governo tem que explicar: se este é o pior modelo de gestão de uma empresa pública de transportes, porque decidiu mantê-lo na MP e alargar para os STCP, o ML e a Carris? A nossa explicação é simples: é que tudo o que o Público perde numa PPP ganha o privado com a PPP. É tudo uma questão de qual o P ao serviço de quem se encontra cada um.
2. O Público assegura todas as despesas, o privado recebe uma renda garantida
A Metro do Porto é, no essencial, uma gestora de subconcessões e subcontratações. Como o próprio Relatório e Contas admite «a quase totalidade dos custos operacionais (excluindo provisões do exercício) é referente a subcontratos celebrados após concurso público internacional (contrato de subconcessão do Sistema de Metro Ligeiro, contrato de operação do Funicular dos Guindais, serviços de vigilância e fiscalização de títulos e trabalhos de manutenção do sistema e material circulante), comissões pagas ao TIP, ACE pela gestão do sistema de bilhética e custos com pessoal, facto que não apenas introduz rigidez na gestão dos custos do exercício como contendo mecanismos contratuais de revisão de preços levam ao crescimento anual do valor despendido.» De seguida veremos como a Metro do Porto paga mais ao subconcessionário que o total da receita das bilheteiras e ainda assume os custos centrais para o funcionamento do transporte.
Analisando apenas os números relativos às receitas e despesas operacionais (RE2014MP pag. 54), é fácil de ver como o total das receitas operacionais (recordamos que é a Metro do Porto que arrecada a receita de bilhetes e passes) é inferior ao pagamento realizado à subconcessionária. Ou dito de uma forma ainda mais clara, como a empresa pública paga à subconcessionária privada cerca de 10 milhões de euros por ano além de lhe entregar toda a receita realizada:
(Milhões de €)
2012 | 2013 | 2014 | |
Vendas e serviços prestados (transportes de passageiros) | 38,7 | 40,1 | 39,6 |
Subcontrato operação SML e do Funicular | 48,1 | 50,6 | 50,3 |
Diferença | -9,4 | -10,5 | -10,7 |
E depois, a empresa pública Metro do Porto ainda tem que pagar um conjunto de despesas operacionais, nomeadamente:
(Milhões de €)
2012 | 2013 | 2014 | |
Comissões TIP | 1,7 | 1,7 | 1,8 |
Vigilância e Limpeza | 1,4 | 1,2 | 1,3 |
Conservação e Reparação | 3,6 | 2,5 | 3,2 |
Pessoal (sem resc.) | 4,3 | 4,9 | 4,4 |
Outras despesas correntes | 3,2 | 2,2 | 2,6 |
E isto sem contar as despesas com o Material Circulante, que como é através de uma operação financeira, aparecem como despesa financeira e não despesa operacional, mas que são qualquer coisa como 6,4 milhões de euros por ano.
E já agora, uma nota de rodapé: A CP Carga, que é uma empresa pública, paga à CP o aluguer do Material Circulante, e esse pagamento é a única razão porque não dá «lucro»; a Barraqueiro é uma empresa privada que explora a Metro do Porto, e não paga o aluguer do Material Circulante, pois é a empresa pública quem paga esse aluguer; a Barraqueiro, se pagasse esse aluguer, dava prejuízo, assim dá lucro. Assim se constroem os mitos da superioridade da gestão privada: através do mais puro gamanço!
3. Uma empresa a ser sangrada pela especulação e pela banca
Se a Metro do Porto é, por enquanto (ou ainda!), a única empresa pública de transportes a ser sugada por um operador privado, partilha um outro parasita com as restantes empresas públicas: a especulação e a banca.
Recordemos que só nos últimos 10 anos a empresa assumiu perdas financeiras de 2473 milhões de euros, referentes ao pagamento de juros e às perdas com as swaps.
Tudo isto está relacionado com algo que não nos temos cansado de denunciar: a dívida histórica do Estado às empresas públicas de transporte, que resultou de o Estado ter transferido para estas o investimento público (desorçamentando, e assim, artificialmente, ter escondido o aumento real da dívida e o verdadeiro défice orçamental desde os finais da década de 90) e ter ainda praticado uma política de insuficiente cobertura dos défices de exploração, transferindo para a dívida (e para ser pago mais tarde) o que deveria ser coberto a cada ano pelo Orçamento de Estado. Exactamente a mesma opção que o Governo diz agora querer implementar, quando faz demagogia eleitoral dizendo que vai deixar de pagar Indemnizações Compensatórias, escondendo dos cidadãos que esses valores estão a transitar para a dívida pública, e o Metro do Porto é um bom exemplo disso mesmo!
Comecemos por analisar o que se está a perder com a especulação financeira pura e simples, com as chamadas swaps, ou justo valor dos derivados (avaliação independente das perdas acumuladas com esse tipo de apostas) como prefere o Relatório e Contas (RC2014MP, pag. 86):
(Milhões de €)
Justo Valor a 1/1/2013 | -889,3 |
Diminuição instrumentos financeiros de derivados por liquidação | 456,1 |
Justo valor a 31/12/13 | -411,8 |
Variação Justo valor | -116,6 |
Justo Valor a 31/12/14 | -535,2 |
Ou melhor, tentando descrever o verdadeiro significado destes números: A empresa pagou 456 milhões de euros para liquidar algumas das «swaps» em 2013. Para pagar essas apostas usou um empréstimo do Governo (DGTF) em 2013 realizado expressamente para esse efeito. As apostas com as «swaps» que ainda não foram liquidadas perderam mais 116 milhões de euros em 2014, o que fazem que o total de perdas é já superior a 990 milhões de euros.
Mas talvez o que explique melhor esta sangria é isto: só de «swaps» pagou-se 450 milhões, estão mais 535 milhões para pagar, sem contar com os pagamentos anuais dos cupons que são contabilizados como juros; numa empresa em que os custos com pessoal são de 4,4 milhões, onde o aluguer de toda a frota são 6,4 milhões, e onde todas as despesas operacionais (sem contar amortizações) num ano se ficam por 55 milhões.
Esta é a sangria que sofrem as empresas públicas! Que a resposta a isto seja aumentar a exploração dos trabalhadores é, além de errado, ridículo.
Mas já agora, que não se pense que os bancos espremem as empresas públicas apenas na especulação pura. A Metro do Porto também é espremida e bem espremida através dos juros. Aliás, a criação de dívida nas empresas públicas é um, dos mecanismos de sangria dos Estados. É que a essas empresas públicas são aplicados juros «de mercado» ignorando que esses pagamentos estão completamente garantidos pelo Estado.
Em 2014 a Metro do Porto pagou 97,7 milhões em juros. O suficiente para pagar os seus salários durante 22 anos. Ou para operar sem cobrar bilhetes durante dois e meio consecutivos.
Na sua dívida, sublinhe-se duas realidades: o crescente peso da dívida ao próprio Estado, com a DGTF a emprestar dinheiro para substituir credores privados, para pagar swaps e para pagar o pagamento dos próprios empréstimos, num mecanismo onde o Estado em vez de apoiar as empresas públicas cria uma dívida destas para com o Estado, que depois usa para manipular a opinião pública; o peso da grande banca internacional, que ganha fortunas com estes empréstimos.
2012 | 2014 | Evolução | |
BEI | 755,1 | 665,2 | -89,9 |
Locação mat circulante | 197,3 | 184,8 | -12,5 |
Emp. obrigacionista | 50 | 50 | 0 |
dgtf | 753,7 | 1281,6 | 527,9 |
barclays | 75 | 75 | 0 |
Jp morgan | 120 | 120 | 0 |
depfa | 85 | 80 | -5 |
Deutsche bank | 231 | 126 | -105 |
Goldman sachs | 126 | 126 | 0 |
BNP Paribas | 100 | 0 | -100 |
Nomura | 75 | 0 | -75 |
Total da Dívida | 2723,5 | 3220,7 | 497,2 |
Para termos uma ideia do artificialismo de tudo isto, do quão impagável é esta dívida, veja-se o seguinte: se a Metro do Porto deixasse de pagar salários, deixasse de pagar às empresas subcontratadas, deixasse de pagar a manutenção da infraestrutura, deixasse de pagar a manutenção do material circulante, ou seja, se deixasse de pagar todas as despesas e usasse todo o dinheiro que recebe (de bilhetes, passes, publicidade e afins) e pagasse apenas a dívida, esta continuaria a crescer cerca de 50 milhões por ano, mais as eventuais novas perdas com as swaps.
Se, além de deixar de pagar tudo o resto, também deixasse de pagar as swaps e os juros da dívida, a empresa levaria 80 anos a pagar a dívida, 80 anos a fazer o milagre de vender bilhetes e publicidade sem gastar um tostão! Acreditar que isto é possível é que é um conto de crianças!
4. E qual a alternativa?
As contas da Metro do Porto deixam claras duas coisas: que a subconcessão a privados da exploração comercial dos transportes públicos é um problema e não uma solução; que a situação financeira criada nas empresas públicas pela desorçamentação dos sucessivos governos criou uma situação insustentável, similar à que foi criada ao país.
E qual a saída? A primeira, é pararem de mentir ao povo. É revoltante ver o Secretário de Estado dos Transportes dizer que o Estado está a deixar de ter despesas com as empresas públicas depois de subconcessionadas, quando se limitam a realizar empréstimos em vez de assumir pagamentos, avolumando o problema. A segunda é abandonarem a prioridade de privatizar os serviços públicos: sai mais caro, é pior para os utentes e para os trabalhadores; o que ganham os capitalistas perde o país e o povo. E a terceira é sanear de uma vez as empresas, e renegociar a dívida criada ao país pelas opções impostas pelos sucessivos governos (e nesse renegociação, tratar de anular a dívida ilegítima, a que foi criada por mecanismos como as swaps!).